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quarta-feira, 20 de fevereiro de 2019

Trecho da 2ª Edição do Livro Eu & Meu Amigo DDA — A Primeira Autobiografia de um Portador do Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH)










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Se você procura uma leitura prazenteira, leve e serena, que faça o tempo passar ligeiro e despercebido, como uma brisa suave de fim de tarde, recomendo os livros de qualquer outro autor mais comedido, ameno e formoso. Eu não escrevo para leitores delimitados pelas letras, nem para olhos subordinados às palavras. Aos sem imaginação — que enxergam somente o que as vistas revelam — creio que cartões postais, fotografias e revistas coloridas, valerão muito mais do que a minha busca visceral para tentar suscitar em palavras tudo àquilo que verdadeiramente sinto. (Marcus Deminco)
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SOU ANDARILHO PEREGRINO
Trem sem trilho
Gramíneas sem milho
Maquinista valdevino

SOU ANDARILHO PEREGRINO
Peralvilho sem chegada
Bicho campesino
Correndo pela estrada

SOU ANDARILHO PEREGRINO
Com alma de aventureiro
Espírito forasteiro
E sonho de menino

SOU ANDARILHO PEREGRINO
Remendeiro do passado.
Vidente paladino
De futuro indecifrado

SOU ANDARILHO PEREGRINO
Cego romeiro errante
Perdido de mim, clandestino
Fugido da vida, viajante

SOU ANDARILHO PEREGRINO
Garimpeiro de ilusão
Na gruta incerta do destino
Passarinho sem alçapão

SOU ANDARILHO PEREGRINO
Destemido caçador
Adulto pequenino
Semente de lavrador

SOU ANDARILHO PEREGRINO
Vagamundo alienado
Missivista traquinino
Estafeta sem recado.

SOU ANDARILHO PEREGRINO
Funâmbulo da fatalidade.
Passadas de bailarino
Galgando felicidade.

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Lançado em Setembro de 2006 — durante a 1ª Quinzena Nacional de Leitura  em comemoração aos 78 anos da Livraria Siciliano — EU & MEU AMIGO DDA é o primeiro relato autobiográfico de um portador do Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH). Através de uma narrativa despudorada, envolvente e descontraída, Marcus Deminco descreve parte das suas inquietantes aventuras ao decurso de uma vida inteira repleta de devaneios, exageros, peripécias, fantasias, sonhos, aventuras, perigos, inconsequência, e muita intensidade. Das suas traquinices ainda na infância às palhaçadas e rebeldias nas salas de aula. Das suas desmedidas experiências com drogas até os segredos que lhe motivaram a fazer a capa da revista G-magazine. O livro retrata também, como se deu à descoberta do TDAH, as adversidades mais frequentes da sua comorbidade com a Dislexia, alguns efeitos da Ritalina (Cloridrato de Metilfenidato) durante o início do tratamento, os motivos da sua repentina decisão de escrever este livro, e encerra com depoimentos emocionantes de outras pessoas, igualmente, diagnosticadas com o Transtorno. 
Embora veiculado de maneira independente, comercializado em poucas livrarias, e divulgado somente através da Internet, EU & MEU AMIGO DDA causou grande repercussão nas entidades ligadas ao tema, e chegou a vender mais de 2.400 exemplares. Rendendo, inclusive, ao autor o título de Doutor Honoris Causa — conferido pela Brazilian Association of Psychosomatic Medicine — em reconhecimento à sua contribuição científica, e relevância social.
Durante a elaboração desta sua 2ª edição, foram inseridos novos capítulos, contemplando os acontecimentos mais relevantes, polêmicos e engraçados que sucederam a sua primeira edição: dados atualizados sobre o Transtorno, algumas respostas do autor diante das intermitentes notícias que propagam a falsa ideia de que possam existir dúvidas quanto à existência do TDAH, além de acrescentado novos depoimentos de outras pessoas diagnosticadas com o transtorno. Sem papas na língua, o autor relata de forma escancarada, como realmente funciona o “rufianismo” dentro do mercado editorial brasileiro. Principalmente, entre uma famosa diretora, e os seus “subalternos alcoviteiros” de um dos maiores grupos editoriais nacionais. Menos comedido ainda, revela como teria sido o seu breve relacionamento com essa tal Senhora, considerada por muitos como uma das personalidades mais influentes do mercado editorial brasileiro. E com certo constrangimento, confidencia como ela o seduziu de modo ardiloso para usurpar dele todos os dados que validassem o investimento na publicação de livros sobre o Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH).
De maneira autêntica e singular, o autor apresenta uma narrativa transparente e desinibida sobre algumas consequências produzidas por uma mente inquieta, distraída, e desassossegada. E expressando particularidades da sua própria personalidade, explica como ocorrem as irrefletidas atitudes impulsivas, sem a premeditação de qualquer tempo que lhe permita avaliar antecipadamente, os possíveis efeitos. Ocorre de maneira tão impetuosa que, somente depois ele consegue perceber o que foi feito e/ou falado. Contudo, dentre as diferentes histórias constituídas pelas suas próprias vivências, e expressadas através das páginas deste livro, pode-se ler relatos de alegria, tristeza, momentos de entusiasmo, desinteresse, contradição. Episódios divertidos, inusitados, tensos, perigosos. Instantes de descontentamento, apatia, solidão, euforia, inquietação, frustrações, derrotas, recomeços, tentativas, incompreensões, conquistas, desleixo, indiferença, etc. Mas, acima de tudo, destaca-se em seu conteúdo, o retrato de uma vida inteira marcada por muita adversidade, e superação.
“Devo admitir que, se em grande parte, o fato de não ter conseguido lançar a primeira edição através de nenhuma editora tenha me deixado parcialmente desanimado — ao menos assim — isento de qualquer tipo de acordo, formal ou tácito, que me limitasse a agir sob determinadas condições, e livre de qualquer forma de convenção, expressa ou implícita, que regulasse ou inibisse o meu comportamento, não hesitei (nem por motivo, conveniência, muito menos por vontade) em descrever algumas polêmicas verdades sobre a estreita ligação e a conduta indecorosa entre os mais renomados especialistas nacionais em TDAH e o Laboratório Novartis (fabricante da Ritalina), a omissão da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) diante de uma ação criminosa praticada por esse mesmo laboratório durante o ano de 2013. E só não me calei diante de toda absurdidade porque nutro imenso desrespeito pelos omissos. Pois, eu sempre preferi carregar todo peso das minhas atitudes, que andar com o vazio passivo daqueles que nunca se atrevem. Prefiro correr o risco de desagradar qualquer pessoa com a minha sinceridade, que a subtração do meu pensamento pela conveniência. Prefiro a crítica sobre o que digo, que todo o silêncio covarde que adormece na isenção contida daqueles que se abstém do mundo. Enfim, eu prefiro jogar o jogo da vida, que assisti-la de longe, escondido nas sombras das arquibancadas”.





NESSE novo século, observamos uma enormidade de questionamentos envolvendo a cientificidade, principalmente quando nos referimos à mente humana, haja vista que as concepções organicistas relacionadas à loucura e afins estão sendo colocadas como algo ultrapassado. Uma grande prova disso são as teses atuais que retiram a esquizofrenia da hereditariedade e a coloca como um surto psicótico proveniente das relações sociais, inclusive familiares.
Dentro deste prisma de mudanças ululares caem por terra concepções reinantes nos séculos passados — nativadas no positivismo e no cartesianismo — onde qualquer relação psicótica impossibilita o indivíduo de conviver socialmente. Atualmente, até a normalidade está sendo questionada. Basta observar que nas empresas modernas o viciado em trabalho, normalmente um estressado, é um ser em extinção profissional.
Grandes gênios fizeram da arte uma suprema visibilidade social e de existência eterna. Nesta amplitude, encontra-se o Distúrbio de Déficit de Atenção, ou simplesmente DDA, que de forma errônea tem conceituações preconceituosas e deformadas, onde se afirma psicopatologicamente por profissionais da área da saúde mental, tratar-se de algo que impossibilita o portador deste distúrbio de produzir socialmente e intelectualmente. Isto se trata de um ledo engano.
Tive o honroso prazer de conhecer o então modelo, e especialista em atividade física Marcus Deminco, durante o curso de capacitação profissional em Educação Física, realizado em nível de extensão universitária em parceria com o Conselho Regional de Educação Física Bahia/Sergipe (CREF-13), onde ele era aluno e eu me encontrava na condição de Coordenador. Tornamo-nos amigos e o incentivei a produzir uma obra na qual ressaltasse o valor social dos Portadores de Déficit de Atenção, estimulando-os na superação das adversidades e na recuperação da autoestima. Eis aqui o fruto desse incentivo.
Acreditamos sinceramente que este trabalho editorial será o primeiro passo para uma longa caminhada, como diz um velho ditado chinês: “abrirmos as portas mentais para outros que com este mesmo distúrbio se percebam de uma nova e real maneira, ou seja, como pessoas capazes e bastante intelectualizadas”.
Parabéns a este autor pelo pioneirismo e pela coragem de expor com palavras claras e objetivas algo que ficará na história da saúde mental. Esperamos que os cientistas da área de Saúde Mental aceitem a tese de Blaise Pascal que sempre dizia: “Não me envergonho de mudar de opinião, porque não me envergonho de pensar”. Portanto, devemos sempre mudar de ideias, sobretudo, quando elas podem causar erros que envolvam vidas humanas.
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José Augusto Maciel Torres: Doutor (PhD) em Psicologia e Filosofia pela Cambridge International University (Inglaterra), Psicanalista, Doutor Honoris Causa em Medicina Tradicional Chinesa pela Universidad de Los Pueblos de Europa (Espanha) e Cambridge International University (Inglaterra) e em Ciências (Universidade de SRI-LANKA), Ex-diretor da Faculdade Apoio, Ex-coordenador da Faculdade de Artes Ciências e Tecnologias (FACET) e Faculdade Dois de Julho, Ex-professor de Psicologia na Faculdade São Salvador, FACET e Faculdade Dois de julho, Coordenador da pós-graduação em Psicanálise da FACET e da pós-graduação em psicopedagogia da Faculdade São Salvador.






ATUALMENTE trabalho como psiquiatra em São Paulo capital. Possuo uma formação acadêmica mais diversa do que isso e um pano de fundo geral ainda mais diverso e caótico. Mas, também com a sua porção de sofrimento e solidão. A última se dava por dois motivos, primeiro nasci com dom (muito caro no meu caso) da inteligência, segundo que nasci com problemas físicos e mentais. A maioria dos quais eu demorei anos para entender, imagine os pobre profissionais aos quais fui levado desde infância. As coisas só mudaram quando eu encontrei um psiquiatra tão inteligente quanto eu e cujo sofrimento era semelhante.
Atendi o Marcus Deminco logo após meu encontro com o TDAH. Ou seja, eu passei pela faculdade de medicina e residência médica e não sabia o que era TDAH, então não se surpreenda se seu psicólogo ou psiquiatra também não souber. Há 10 anos era realmente uma área ainda mais nebulosa e pouco considerada em adultos ou pessoas inteligentes. Mas o MARCUS tinha o TDAH, era inteligente e já havia, inclusive, lançando a primeira edição deste livro, além de ter escrito outros dois. Mantivemos uma rápida identificação, amizade e respeito desde então.
Acredito que a intenção deste livro é que o leitor encontre uma maneira fácil de criar esse tipo de identificação com a coexistência do TDAH, inteligência e idade adulta. Reconhecendo a mesma em si ou em qualquer outra pessoa de sua convivência. Isso é cada vez mais importante quando o TDAH e outros transtornos mentais sofrem ao mesmo tempo preconceito pela sociedade e negação pelos seguidores de Foucault e da anticiência acadêmica.
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Daniel Minahim: Médico Psiquiatra (CRM-SP 144214), Especialista em Psiquiatria da Infância e Adolescência. Mestre e Doutorando pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). Fundador do Instituto Brasileiro de Superdotação e Alterações do Neurodesenvolvimento. E pioneiro no tratamento de duplo-excepcionais no Brasil: Superdotação + TDAH, Autismo, Dislexia, Bipolaridade e transtornos de aprendizagem.





ATÉ mesmo uma detestável fila num banco pode transformar-se numa aventura irradiante. Tudo depende da sua capacidade de interação com a própria monotonia ou do acúmulo de feitos que você carregue na lembrança para distrair intermináveis minutos de espera. Nada é tão sem graça, sem cor ou sem emoção, a não ser que você seja dono de uma personalidade apática e viva uma vida inteira preta e branca.
O tempo inúmeras vezes ofusca o brilho de nossa luz e esfria todo aquele entusiasmo jovial. Opacos, abortaremos alguns projetos incríveis, podaremos as ambições mais audaciosas, e muitos sonhos parecerão ainda mais impossíveis. Mais tarde, talvez estagnemos ou façamos como muitos fazem, envolvendo-se com filmes, livros ou novelas, transportando seus sentimentos para os personagens, aceitando passivamente realizar-se através de outrem ou acatando passar despercebido, sendo mero telespectador ou um ilustre coadjuvante. Portanto, quero aproveitar, enquanto a minha luz brilha intensamente, enquanto exerço o dom de interpretar com maestria o papel principal da minha própria história, para confidenciar-lhes parte de uma vida inteira cercada de ficção, realidade, sonhos e muita cor...

Salvador, 14 de outubro de 2004 — XXII Congresso Brasileiro de Psiquiatria.

Dentro de um restaurante de comida a quilo, localizado no Centro de Convenções da Bahia, vejo-me cercado de psicólogos, psiquiatras, neurologistas, terapeutas e outros tantos “esquisitos”. A partir de então, como de costume, volto a refletir sobre as nuances que circundam a loucura e a lucidez. Divagando-me brevemente ao ano de 2001 durante uma festa de São João na cidade de Ituberá no interior da Bahia, quando um amigo, bastante interessado em conhecer uma garota, dirigiu-se timidamente até ela e disse:
— Desde que cheguei aqui estava com vontade de te conhecer. Mas, ainda não havia tido oportunidade.
Sem pensar um só instante, e com a propriedade de quem sabia exatamente o que falava, ela logo lhe respondeu:
— Oportunidade quando não temos, nós criamos!
Obviamente, meu amigo perdeu metade da pose, e certamente não encontrou qualquer argumento cabível para retrucá-la. Eu, entretanto, achei aquela resposta tão bem elaborada que passei, inclusive, a repeti-la em algumas ocasiões da minha vida. Ou pelo menos por algum tempo. Até o dia em que soube, que aquela mesma garota, por morar em um andar próximo ao térreo, pegou o elevador do próprio prédio, dirigiu-se ao apartamento mais elevado de uma amiga, e sob o pretexto de querer beber água gelada, alegando que em sua casa não tinha, suicidou-se, lançando-se da janela. Parecia algo extremamente contraditório a sua atitude com a coerência da frase, mas ela havia criado a oportunidade de se matar.
Tempos depois, visitando um senhor com mais de noventa anos, portador do Mal de Alzheimer, e novamente refletindo sobre sensatez e insensatez, passei a observá-lo com maior atenção. Era incrível notar que sempre em que me encontrava, reconhecia prontamente a minha fisionomia, como sendo uma pessoa comum em sua convivência. Mesmo com seu olhar distante, conscientizava que já havia me visto algumas vezes, e de alguma maneira, sabia também que tínhamos alguma espécie de vínculo. Demonstrava, inclusive, certo afeto por mim, mas sem precisão alguma sobre tempo ou localidade. Algumas vezes, inclusive, era capaz até mesmo de recordar o meu nome. O que me deixava imensamente alegre, e surpreendia a sua própria família.
Era previsível, mas engraçado, que todas as vezes em que o deixava, durante nossas despedidas ele repetia sempre a mesma frase:
— Vai “simbora” garoto... E manda brasa!
No entanto, mesmo com suas frases repetitivas, sua aversão por asseio e seu esquecimento em frações de segundos (característica normal da doença), certo dia me disse algo que jamais esquecerei. Talvez, não tenha utilizado da mesma racionalidade do que disse a garota na festa de São João, mas foi imensamente criativo. Confesso que precisei refletir por algum tempo antes de compreender. Era um dos dias no meio da semana, quarta ou quinta-feira, e ele não queria fazer a barba de maneira alguma. Então, a sua esposa, uma senhora bastante simpática, me pediu delicadamente para que eu tentasse convencê-lo. E, ao revés da expectativa, surpreendentemente, sem maiores dificuldades, ele ligeiramente aceitou que eu a fizesse.
Enquanto lentamente, eu passava o aparelho de barbear sobre sua pele enrugada e cansada, com todo cuidado para não cortá-la, dentre suas tantas marcas de expressão, seguia me perdendo entre suas carquilhas, imaginando quantas histórias estariam escondidas e esquecidas naquele olhar perdido e distante. Todavia, logo sua alta gargalhada me despertava dos devaneios. Lá estava ele, com seu jeito brincalhão e gozador, repetindo para toda e qualquer mulher que passava em frente a sua casa:
— Coisa boa mesmo é mulher! Eu não deixo nunca de gostar delas.
Querendo também ser engraçado e retribuir a sua troça, resolvi então fazer-lhe uma pergunta reunindo à brasa que ele me manda diariamente com a sua paixão pelas mulheres:
— Mas o senhor hoje em dia, vendo uma mulher, ainda manda brasa?
Ironicamente, e de maneira imprevista, ele logo respondeu:
— Não... Não... Hoje eu mando apenas o carvão porque a brasa já queimou toda.
Mas afinal, o que levaria um senhor com um quadro demencial de Alzheimer conseguir elaborar uma resposta tão criativa? E quais os motivos que levariam uma jovem — capaz de articular uma frase com tamanha lucidez — suicidar-se daquela maneira? Por fim, chego à rápida percepção de que a loucura e a lucidez dependem muitas vezes da interpretação dada aos lúcidos e aos loucos. E, possivelmente, todos nós teremos instantes extremos. Assim, uma pessoa considerada e vista como normal poderia cometer algo anormal ou vice-versa.
De volta à tranquilidade (externa) do meu almoço, minha inquietação (interna) permanecia latente. Sempre coloquei em dúvida minha credibilidade mental. Seria como viver equilibrando-me sobre o muro: entre razão e emoção. Ou como caminhar cuidadosamente sobre a linha divisória do real e do abstrato, fazendo esforços tremendos para permanecer normal, mas escorregando, por vezes, nos dois polos: ora, propositadamente, tamanha a vontade de ser intenso, ora coagido por uma força maior e até então desconhecida: a minha impetuosa impulsividade.
A cada garfada se fazia presente aquele forte sentimento de ser diferente que me acompanha por toda vida. A mente vagando longe. Por momentos, tinha a sensação de que alguém ali seria capaz de escutar o barulho na minha cabeça que não para um só instante: ideias que nascem como slides coloridos, momentos de angústia, euforia, nervosismo, turbilhão de pensamentos desordenados. Alguma coisa dentro de mim é bagunçada, fora da ordem e não descansa nunca.
Logo fui tomado por um duelo sigiloso e desafiador. Nenhum lugar mais excitante do que ali, cercado de estudiosos da psique, para fazer a minha jura secreta: externaria essa desordem mental num livro. Escreveria uma autobiografia e todos aqueles “esquisitos engravatados” ainda leriam minha história. Assim, dividiríamos não apenas aquele simples refeitório, como compartilharíamos parte do universo diferente do meu mundo com eles.
Entretanto, aceitar o desafio de escrever um livro e seguir cumprindo a promessa até o final seria como travar uma verdadeira guerra comigo mesmo: vencer a luta diária da concentração que, por momentos, requer uma força sobre-humana até atingir o hiperfoco; superar minha baixa autoestima que, um dia, me fará pensar que tudo isso estará medíocre; manter-me fiel até o último capítulo sem me deixar envolver por outros projetos mais dinâmicos e simples; sagrar-se vencedor da batalha irônica, mas existente, de exorcizar esse meu perfil pré-moldado de ignorância.
Essas análises superficiais sobre nossa essência, muitas vezes, nos tornam descrentes de nossa própria capacidade. A crítica debochada e destrutiva segue como demônios tentando nos limitar. As máscaras que optamos usar podem ser disfarces de nossas próprias fraquezas. Mas, esses rótulos taxativos, que recebemos e receberemos sempre, por simples deduções, certamente serão fraquezas enrustidas daqueles que nos conferem. Por isso, precisei aniquilar essa sombra de estupidez que paira sobre meu protótipo imperfeito de inteligência.

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Eu & Meu Amigo DDA é um livro diferente de todos os outros relacionados ao distúrbio do déficit de atenção. Acreditando que ninguém melhor que um próprio DDA para descrever parte dessa bagunça, incomodado com muitos comentários errôneos e depreciativos sobre o distúrbio, e cansado de ler obras subjetivas, com predominância técnica, tomei a iniciativa de relatar veridicamente e sem pudor o aspecto comportamental e cognitivo do distúrbio. Passo a passo a intimidade do meu mundo DDA: desde minhas traquinagens de infância, meus devaneios e rebeldias dentro das salas de aulas, até minhas experiências com drogas e o alívio do meu diagnóstico. O livro contém também os verdadeiros motivos os quais me conduziram a fazer a capa da revista G-magazine, e detalhes curiosos sobre os dias dessas fotos. Além das minhas confidências e sofrimento por ter ficado fora da Casa dos Artistas, quando já estava com o pé dentro.
Dividido em dez capítulos, Eu & meu amigo DDA traz um manual, criado por mim, após conseguir aglomerar setenta e cinco características mais comuns entre os diferentes subtipos do distúrbio. Finalizando com depoimentos envolventes de outros portadores do distúrbio. Buscando uma maior interação com o leitor, criei de forma irreverente, dois personagens dentro do meu corpo: MARCUS, um pouco do meu EU racional, equilibrado e centrado, sendo coagido e dominado por um amigo invisível, e DEMINCO, o meu eu DDA, um ser apaixonado, intenso e envolvente que, muitas vezes, domina a plenitude do meu corpo físico.
Provavelmente, em trechos abrangendo o vasto universo da mente humana, eu cometa alguns deslizes. Logo, o intuito predominante não é informativo, e sim contar a vida de um DDA por um próprio DDA, ou pelo menos do meu subtipo, especificamente. Então, os estudiosos da saúde mental que me perdoem os possíveis erros técnicos. A forma de chamá-los “esquisitos” vem de uma encarnação desafiadora e petulante que mora dentro de mim. E ainda que, por algumas vezes, relendo o livro, tenha tentado retirar ou substituir esse apelido, afirmo verdadeiramente ter sido mais forte do que eu a audácia de mantê-lo. Por isso, resolvi deixá-lo presente com carinho, respeito e admiração a todos os leitores deste livro.
Considerando também que milhões de brasileiros possuem esse distúrbio, espero que esses escritos possam trazer o alento da descoberta para muitos que sofrem, por desentenderem o seu modo de ser, de pensar e de agir.  Ambiciono ainda contribuir para que alguns estudiosos consigam desvendar cada vez mais e melhor a intimidade de uma mente tão agoniada. E, principalmente, que muitos DDAs se encontrem, se descubram e/ou se reinventem dentro das páginas sinceras e impressas da minha vida através dessa autobiografia.





“A FRUTA amadurece no tempo certo”. “Tudo na vida tem sua hora”. Esses ditos, na maioria das vezes, costumam nos irritar profundamente. Afinal, sempre queremos que as coisas aconteçam do nosso jeito e no ajuste do nosso próprio relógio. Mas acreditem; os sábios conformados que falam tais besteiras, ainda sem querer, às vezes, acertam. Jamais seria capaz de concluir essa minha vigésima tentativa de escrever um livro sem antes mesmo saber o que é DDA!
No calor infernal daquela tarde quente, desfrutávamos um delicioso açaí: eu e minha ex-sogra. Aguardávamos seu horário de retorno ao trabalho. É engraçado, quando dispomos de tempo e estamos acompanhados com alguém nesse ócio, criamos, inconscientemente, um acordo bilateral na comunicação: ambos falando coisas tolas e sem motivo, com o intuito único de gastar o tempo que resta na espera. Hoje, já não sei se penso assim, pelo simples fato de ter DDA e achar que são comuns os devaneios ou porque esse acordo realmente exista.
Ela, coordenadora de educação infantil e com vasto conhecimento em pedagogia, relatava fatos do seu cotidiano. Eu, como sempre, tentando prestar atenção no que não me interessava muito. Ela falava coisas que pareciam sem sentido algum e, provavelmente, naquele instante, eu não estava mais ali. Devia estar em alguma de minhas viagens distantes ou em algum dos meus tantos projetos intermináveis. Não me lembro ao certo o que ela dizia, simplesmente ia ouvindo letras soltas ou aparentemente sem lógica alguma.
Entre uma palavra e outra, parecia ter ouvido: aluno, hiperativo, agitado, DDA, Ritalina... De repente, sua fala fragmentada encaixava-se perfeitamente em minha cabeça. Via que algo despertava minha atenção. Logo aumentei a tentativa de concentração e, conseguindo absorver mais as informações, fui ficando fascinado com seu relato sobre um aluno com hiperatividade.
No início, o comportamento infantil era apenas impressionante, mas de forma alguma me identificava. Achava algo absolutamente normal, coisa de criança, estágios que só ocorriam na infância etc., e fiz, como a grande maioria das pessoas, quando desconhece algo desse tipo: prefere acreditar que a criança é mal-educada, que esses distúrbios são apenas frescuras de meninos mimados ou ainda desculpa dos pais tentando justificar o comportamento estranho de seus filhos, para não confirmarem sua falta de amabilidade.
Mesmo assim, aquilo tudo ainda me chamava muita atenção, como se o próprio cérebro disparasse sonoras ordens de alerta: PRESTE ATENÇÃO! Então prestei.
Sentia que algo em mim nunca funcionara corretamente, pelo menos na organização das ideias. Não sabia por que, mas tinha plena certeza de que os outros não tinham a mesma linha de raciocínio. Recordo que, um dia, assistindo uma partida de futebol, ao lado da minha mãe, logo após um time ter feito um gol, o comentarista narrava aos gritos: “UM GOLAÇO”. Imediatamente, criavam-se dentro de mim formas coloridas de figuras daquela expressão. Querendo certificar minha sensação de diferença, perguntei-lhe no que pensava, quando escutava aquela mesma frase “GOLAÇO”. Ela respondeu que imaginava simplesmente um belo gol.
Hoje sei que algumas pessoas apenas recebem essa informação como uma escrita no cérebro, outras, como minha mãe, visualizam cenas. Eu, não. Imaginava uma bola cheia de laços e embrulhos de presente, indo em direção ao gol.
Minha ex-sogra prosseguia no diálogo e, à medida que falava um linguajar mais técnico e explicativo, eu ia me envolvendo. Leigo, e com receio de ser visto como anormal, questionei-a com cautela se existiria algum tipo de hiperatividade mental ou psíquica. Algo que justificasse uma bagunça, uma desordem interna.
Ela respondia ao meu questionamento, alegando não ter certeza, nem tanto conhecimento assim, mas existiria algo relacionado a distúrbio de atenção e me explicava, ainda que vagamente, os indícios do DDA. Percebi como um papo despretensioso, mas, com uma maior atenção, poderia mudar minha vida. Imaginei, então, o quanto de mensagens não fui capaz de ouvir e compreender até hoje...
Percebendo que o assunto despertava-me tanto interesse, ela me prometeu um livro sobre o tema. Por pura coincidência, estávamos em setembro, mês do meu aniversário. E, nesse exato instante que a conversa estava tão agradável, não tínhamos mais aquele “acordo” de fazer gastar o tempo, até porque, nesses momentos, ele se encarrega de passar rapidamente.
No dia 28 de setembro de 2004, ganhei o presente que mudaria para sempre a minha vida. Recordo que, ao longo dos anos, recebi os mais diferentes tipos de presentes e fiquei, por diversas vezes, radiante de alegria, como a espingarda de mergulho naquele natal, o robô que atirava pelos braços, e uma fita de vídeo do U2. Mas, ainda assim, nada se compararia ao livro Mentes Inquietas, de Ana Beatriz B. Silva.
Com este título convidativo, o recebi pela tarde e após as cerimônias rotineiras de agradecimento dos presentes que ganho, fui correndo para casa com o objetivo de devorar letra por letra.
Ao folhear as primeiras páginas, uma emoção indescritível: era como se estivesse sendo despido de alma. Era uma redação sobre a minha vida. Havia trechos em que, de tanta emoção, lágrimas rolavam de alegria, de alívio em um mistura de diferentes sentimentos ao mesmo tempo. Jamais saberei explicar ao certo.
Primeiro, o conforto mental que vinha como um bálsamo. Existia, sim, uma explicação. Que alívio! Todas as coisas que eu pensava, acreditava, sentia, tinha uma explicação. Aquela confusão, as ideias do além, os mil projetos mirabolantes, as tantas noites de insônias, os cafés, o quadro que nunca terminei, as coisas por fazer, os amores infinitos, a velocidade, a intensidade tamanha, enfim! Tudo ia se encaixando perfeitamente e simplesmente não conseguia parar de ler. Terminei o livro em apenas um dia.
Era como experimentar um renascimento. Logo uma euforia tomava conta de mim. Queria gritar, correr e contar para todos o que é DDA. Talvez assim, compreendendo-me melhor, eles me perdoassem tantos equívocos, deslizes ou comentários impróprios já passados. Totalmente atordoado, não recordo ao certo o que mais fiz nesse dia, nem nos outros que se sucederam, mas passei a ler tudo que surgia sobre DDA.
Na verdade, antes de tudo isso, eu não fui um leitor compulsivo. Além de não ter tanta paciência assim, me perdia facilmente no meio de um parágrafo chato. Acreditava sempre ser mais proveitoso escrever nossas próprias histórias, marcando de grandes feitos as páginas da vida, ao invés de deduzir algumas coisas por relatos e contos. Sempre dei mérito no sentir, no fazer e no experimentar.
Em seguida, li Princípios e práticas em TDAH, de Luis Augusto Rohde, Paulo Mattos. Cadastrei-me em fóruns sobre o tema na internet, recebia matérias on-line o tempo todo. Passei a respirar DDA, passando a compreender cada vez mais e melhor o meu mundo à parte.
Ficava frustrado, porém, ao notar o desinteresse de muitos diante de minhas explicações detalhadas. Entristecia-me também com a minha família, acreditando ser algo da minha própria imaginação. Como se fosse algo psicossomático, como se os livros me fizessem incorporar tudo que lia. E, embora vivesse uma necessidade incontrolável de querer desabafar com alguém que acreditasse no distúrbio, resolvi, por um tempo, não mais falar sobre DDA. Essa é boa! Devo ser ainda mais louco do que imagino para ambicionar ter um distúrbio neurológico.
É interessante registrar que no livro Tendência à Distração, de Edward M. Hallowell, M.D. e John J. Ratey, M.D., isso é citado entre o primeiro dos problemas mais comuns no tratamento do DDA:

Certas pessoas, especialmente importantes na vida – pai, mãe, cônjuge, professor, patrão, amigo – não aceitam o diagnóstico de DDA. Eles não “acreditam” em DDA e não querem discutir sobre isso. É como se fosse contra sua religião ou visão de mundo. Eles fazem a pessoa com DDA se sentir uma fraude ou um impostor. Esse tipo de resposta descrente pode minar tanto a esperança que acompanha o diagnóstico, como o tratamento. Ouvem-se com frequência variantes do tipo: “esse tal de DDA não existe. É apenas uma desculpa para a preguiça”. Empregue sua energia estudando e dando duro no trabalho, em vez de ficar perseguindo diagnósticos furados. Lidar com respostas assim pode ser algo complicado. É melhor que o indivíduo com DDA não assuma sozinho essa responsabilidade, pois em geral isso provoca um impasse. É melhor que fique a cargo do profissional que fez o diagnóstico cuidar de qualquer ceticismo ou descrença que possa surgir entre os envolvidos com o paciente, sejam pessoas da família como um todo, ou o cônjuge, o professor, patrão, amigo, etc. O importante é a informação. Apresente à pessoa os fatos. Atenha-se aos fatos, deles se valendo para enfrentar a superstição, os boatos, o disse-me-disse, os preconceitos e a desinformação. Procure evitar debates inflamados. É comum usarem-se as objeções ao diagnóstico para esconder questões emocionais. Pode haver raiva da pessoa diagnosticada. Pode haver ressentimentos em relação à pessoa por todos os seus erros e não se desejar que ela escape facilmente com um diagnóstico. Querem punição e por isso ficam cada vez mais com raiva ante a noção de DDA, tentando fazê-la cair em descrédito. Nesses momentos é melhor ficar com a ciência, por isso permaneça com os fatos que temos a respeito do DDA. Em algum momento os sentimentos de raiva deverão ser tratados pelo que são: raiva em geral decorre de um comportamento passado irritante por parte da pessoa com DDA. Esses sentimentos são perfeitamente compreensíveis e válidos. Não deveriam, no entanto, ser usados para se invalidar um diagnóstico correto do DDA.

Entristeceu-me o comentário infeliz de um amigo, afirmando que seria ótimo ter DDA. Mais triste ainda em notar certo modismo em torno do distúrbio. Algumas pessoas que não tinham, queriam ter, prendendo-se apenas aos seus aspectos positivos.
O ser humano, muitas vezes, procura descobrir algo que torne sua vida mais emocionante. A monotonia é muito chata, o indivíduo precisa de algum significado na vida, um sentido diferente ou mesmo uma desculpa para seus lapsos. Apesar de amar o jeito DDA de ser, a intensidade, a impulsividade, o amor absurdo pela vida e pelas pessoas e viver feliz ao meu modo, nem tudo é uma maravilha. Há coisas que me atormentam nas atitudes e no meu comportamento. A própria impulsividade que magoa em fração de segundos, a intensidade que segue muitas vezes sem lógica alguma, agindo por puro instinto, a impaciência, a instabilidade de montanha russa no humor.
Lia depoimentos de amigos sofrendo com o distúrbio, principalmente em escolas, no trabalho e nos seus relacionamentos afetivos. Outros eram infelizes pelos esquecimentos de objetos, de datas, de números e de palavras. Muitos sofrem ainda na desorganização, chegando ao acúmulo incontável de pilhas com escritas e anotações, ou aquelas coisas por fazer, incluindo nesse rol os dias de mau humor sem motivo.
Em momentos de reflexão sobre o distúrbio e vendo a incerteza das vantagens e desvantagens, DEMINCO me repetia frases prontas: Viver é fácil MARCUS, difícil mesmo é saber viver. E saber viver, muitas vezes consiste em saber tirar o maior bem do maior mal. Precisava ver o DDA de modo positivo e não somatizar os erros. Graças a ele sou feliz em meio a toda essa agonia.
Lendo, pesquisando e estudando sobre tantos distúrbios diferentes, eu estava, de forma involuntária, fitando todos à minha volta com indagações do tipo qual o transtorno que cada um poderia ter. Agora entendo que muitos “esquisitos” nos olhem assim, ficando sempre um pouco sequelados (risos). Passei a viver aquilo tudo, a respirar DDA. Já não dormia direito e estava realmente ficando um chato. Só pensava e falava nisso em todos cantos, em todo momento. Foi tanta a euforia, que o melhor seria dar um tempo.
Para me tranquilizar e acalmar a minha mente, eu tentava continuar lendo paralelamente Zibia Gaspareto, Dalai Lama, ou algo que me desligasse um pouco. Mas meu amigo invisível não ficava quieto, sempre me cutucava alegando que eu precisava saber mais, muito mais. Era incrível como ele ligava meu botão de curiosidade. Assim, eu ia devorando os livros de Howard Gardner, de Freud, de Edward M. Hallowell, M.D., de John J. Ratey, M.D., Thomas W. Phelan, de Russel A. Barkley, de Daniel G. Amen, dentre outros.
Descobri por tabela o que é dislexia e como ela me perseguiu durante a minha vida acadêmica. Tinha apenas a dislexia na escrita (a disgrafia). Relendo os meus escritos guardados na gaveta, via como sempre antecipava as letras das palavras que ainda estavam por vir, trocando letras por números e algumas vezes mudando totalmente a palavra por outra semelhante. A dislexia pode ser resumida como o distúrbio de aprendizagem mais comum, provocando uma escolaridade limitada. De acordo com o trabalho de Albert Galaburda, em Harvard, sabe-se que:

[...] o cérebro dos disléxicos parece ser diferente dos cérebros normais, contendo nódulos anormais no córtex cerebral. Esses nódulos podem interferir na forma como o cérebro percebe e processa os fonemas ou partículas sonoras que formam as palavras. Disléxicos são pensadores visuais e multidimensionais. São intuitivos e altamente criativos, sempre aprendendo mais facilmente “na prática”. Por pensar visualmente, às vezes é difícil para os disléxicos compreenderem letras, símbolos e números sem instanciá-los para a realidade através de métodos, como associação de palavras e símbolos com imagens ou então números e contas com dedos, podendo tornar a leitura mais laboriosa e lenta. O disléxico, na maior parte das vezes, possui QI acima da média e é muito criativo. O motivo está no fato de o lado direito do cérebro, relativo a essas duas qualidades, ser maior que o esquerdo, utilizado no aprendizado. Alguns pesquisadores acreditam que pessoas disléxicas têm até uma maior probabilidade de serem bem sucedidas. Acredita-se que a batalha inicial de disléxicos para aprender de maneira convencional estimula sua criatividade e desenvolve uma habilidade para lidar melhor com problemas e com o stress.


Particularmente, acho que ainda faltam relatos de como o teclado de um computador diminui a disgrafia. Até hoje, quando recorro a papel e lápis, vejo que isso se agravou. Já na digitação consigo melhorar, contudo trocar o F por V e o T por D é algo incontrolável, assim como na ordem: EVARDADE em lugar de VERDADE, enfim! Era apenas um problema em meu cromossomo #6.
Além do DDA sem hiperatividade e a dislexia, descobri um possível output, que é um problema expressivo de linguagem, afetando o que falo ou escrevo. Sentia que à medida que adquiria mais informação sobre DDA, em curto espaço de tempo, todo aquele conteúdo e dados técnicos específicos complicavam ainda mais meu output.
Confesso que uma coisa ainda foi capaz de me deixar mais triste: como resumiram um cara como eu, com tantas ideias, sonhos, projetos e tudo o mais em apenas três míseras letras? Isto, sim, me deixava triste (risos). Era preciso mesmo fazer piada, porque embora fosse excitante, às vezes me assustava o fato de ter um transtorno neurológico. 
Voltando aos livros, deparei-me com uma afirmação depreciativa de um tal Dr. Levine, M.D., sobre portadores de dislexia: “Os disléxicos podem ser extremamente brilhantes, capazes de excelentes ideias, porém completamente incapazes de passar para o papel o potencial de suas cabeças”.
Mesmo contra tantas adversidades, existia uma força dentro de mim que me fazia permanecer obstinado a escrever minha autobiografia, porque se tudo caminhava na contramão, o Dr. Levine esquecia que meu cérebro seguia justamente em sentido contrário, logo, não levei em consideração sua inoportuna afirmativa. Seria preciso juntar as ideias soltas e abstrair esse tipo de comentário.
Era certo que ainda teria um longo caminho pela frente e que, por algum motivo do distúrbio, poderia simplesmente largar tudo pelo meio. Precisava sentir-me um escritor. Sempre gostei de interpretar o personagem que eu vivo. Nos diferentes estágios da vida, preciso acreditar: sou o que faço.
É importante ressaltar a necessidade de sentir-me um escritor, criando em myself tal personagem ou ainda descrever-me no livro como sendo duas pessoas. São apenas formas diferentes, planejadas por mim para mostrar um pouco mais do mundo de um DDA. Vale realçar que não possuo nenhum tipo de transtorno de personalidade, nem os dos subtipos de boderline, muito menos narcisista ou histriônica. Até confesso que falo sozinho de vez em quando, não mais do que a normalidade, já que muitos “normais” fazem isso.
Quando eu era criança ficava sem saber para onde iriam todas aquelas informações que adquirimos com o tempo. Ficava imaginando o cérebro como um departamento cheio de armários e de gavetas, acreditava que alguns dados seriam inúteis armazenar ou simplesmente saber, como se tais dados fossem ocupar espaços que poderiam ser preenchidos de modo melhor.
Ainda hoje prefiro não ocupar tais gavetas com coisas inúteis, já que nossa cabeça não tem um botão para apagar todos os dados armazenados. Assim, o melhor é não preenchê-las. Tais dados continuarão guardados em algum lugar, e muitas dessas informações nós não precisaremos, também nunca iremos procurá-las.
Quantas coisas improdutivas aprendemos? Quantas fórmulas, dados, números? Queria apenas apagar alguns. Por que passei tanto tempo aprendendo equações e orações invisíveis? Os alunos fingem que entenderam e os professores fazem de conta que existe aquilo tudo e, ingenuamente, ainda pensamos que serão importantes em algum momento. E por que ninguém jamais me explicou sobre DDA? Isto, sim, precisava saber e nunca me explicaram.
Voltando aos meus arquivos cerebrais produtivos e à ideia fixa de escrever, passei a sentir um faro por psicólogos, psiquiatras e por todos os “esquisitos”. Tinha sempre um atravessando o meu caminho. Seria pura coincidência ou eles existem mesmo aos montes? A verdade é que, quanto mais temos dimensão de uma dada realidade, mais percebemos o vasto universo que se estende por trás dele.
₪₪₪

Em uma das academias onde trabalhei, conheci o Paulo. de cabelos grisalhos, espírito jovem, e com 43 anos, que não acreditaria que os tivesse, se o próprio não me confirmasse. Tatuado em um dos braços, um verdadeiro garotão, frequentava a academia diariamente, fazia natação, karatê e jogava bola aos finais de semana. Tivemos afinidade de cara.
À medida que conversávamos, eu ficava mais à vontade. Evidente que se tratava de um cara que, apesar de cuidar e de estudar pessoas que têm comportamentos atípicos, ele sabia exatamente a importância de cometer anormalidades em algumas ocasiões para sentir-se vivo. Confidenciava-me fatos de sua juventude que ele mesmo descrevia como fase “neurótica voluntária”, suas experiências com drogas, mulheres e coisas fora de toda normalidade que imaginei fazer parte do seu mundo.
Passei a ver Paulo com maior frequência, o que atrapalhava um pouco até o meu treino. Queria dividir com ele algo mais técnico, saber seus conselhos e dicas. Logo, passamos a falar sobre o meu comportamento. Mas ainda me limitava a não mostrar tudo de uma vez, sei lá, poderia assustá-lo (risos). Ele, de imediato, foi me acalmando, dizendo que se tratava de um distúrbio simples e que ele também não era tão normal assim. Contava-me alguns casos de psicóticos e algo mais anormal, no intuito de me manter tranquilo. Afinal, sempre nos confortamos quando ouvimos: “EXISTEM CASOS BEM PIORES”.
Além da paciência comigo e ser meu primeiro amigo “esquisito”, aconselhou-me a praticar yoga para relaxar a mente, mas a simples ideia de permanecer sentado, imóvel, e meditando, me deixava totalmente impaciente. Descartei no mesmo instante. Ele ainda disse que se eu estivesse sentindo um maior desconforto mental, poderia fazer o tratamento medicamentoso, acompanhado de uma terapia cognitiva.
Evidente que Paulo, além de ser uma pessoa agradável, era um ótimo profissional. Sempre fazendo questão de afirmar sua inabilidade com pacientes portadores do Distúrbio de Déficit de Atenção, falando apenas dentro do seu limite de conhecimento dessa imensa complexidade da mente humana.
Contudo, concordamos que eu deveria imediatamente tratar minha insônia, pois isso me prejudicava visivelmente. Desde as olheiras, até meu mau-humor matinal, com aquele cansaço no final da tarde. Disse-lhe que tomava alguns remédios fortes quando ficava uma semana inteira sem dormir. Ele, preocupado e pacientemente, me explicava com detalhes os efeitos fisiológicos e os malefícios dos antidistônicos, me indicando um medicamento fitoterápico: o Valeriane.
Na primeira noite de insônia, recorri ao remédio e senti de imediato os olhos pesados e a certeza de que um sono profundo estava por vir. Rapidamente fui cochilando. Ao abrir os olhos, a triste surpresa: o relógio marcava três horas da manhã, e eu estava simplesmente ligado. Talvez fosse alguma coincidência. Na noite seguinte, após ingerir o comprimido do medicamento, fiquei totalmente aceso, mal conseguia fechar os olhos.
Como um bom DDA teimoso, achei que, tratando-se de fitoterapia, eu poderia tomar dois comprimidos em lugar de apenas um. Foi pior. Era como se tivesse ingerido um estimulante ou energético. Por não saber ou por esquecimento, Paulo não mencionou o fato de que para muitos DDAs a ingestão de alguns tipos de substâncias pode causar o que chamam de efeito rebote.
Ficava meio sem graça de confidenciar ao Paulo que havia decidido escrever um livro e, por isso, estava mesmo precisando da sua ajuda. Escrevia sem uma sequencia lógica e, por vários momentos, fugia e retornava ao assunto. Era preciso ter algo que me ajudasse a seguir um único sentido na escrita.
Por diversas vezes tentava iniciar o texto, sempre sem sucesso. Um simples ruído era como uma bomba, suficiente para travar tudo.
DEMINCO, sempre inseguro, achava desnecessário contar. Dizia que Paulo acharia patético. Pensava que deveríamos apenas seguir meu instinto e sair escrevendo aleatoriamente, mas MARCUS já conhecia um pouco sobre as vantagens desses medicamentos. Sabia dos seus benefícios na organização de um cérebro DDA. Lia relatos sobre escritores portadores do distúrbio do déficit de atenção, os quais utilizavam determinadas substâncias meia hora antes de começar a escrever e melhoravam muito na concentração.    
DEMINCO fazia exatamente o contrário. Dizia que a mente não funcionaria com tanta espontaneidade e, sem o medicamento, as palavras seriam mais sinceras. Ele ainda me assustava, dizendo que as ideias também não seriam as mesmas, e que havia lido algo sobre impotência sexual. Mesmo com sua discordância, meu pouco bom senso estava decidindo por nós dois: precisava agora programar com Paulo o remédio específico e a dosagem.
No início, ele ficou sem acreditar que realmente eu escreveria um livro, mas demonstrei tanta vontade e verdade nas palavras que não apenas acreditou como se ofereceu para ajudar-me com o medicamento. Pensamos, de comum acordo, experimentar a Ritalina, apenas um comprimido de Metilfenidato 10 mg antes de escrever ou em ocasiões de maior necessidade de concentração.
Para minha surpresa, DEMINCO não apenas acatou a minha decisão, como deu uma brilhante ideia: iríamos escrever capítulos alternados com a Ritalina e outros sem a droga. Assim, além de ficar algo diferente para leigos, os estudiosos poderiam analisar a diferença e o efeito do medicamento. E, como sempre, eu ia me envolvendo com as ideias desse meu amigo DDA.
Não foi um casamento perfeito o meu primeiro uso de Cloridrato de Metilfenidato (Ritalina). É estranho afirmar, mas, após tomá-lo, surgia uma triste sensação de normalidade. O mundo perdia cor, emoção, e metade do meu entusiasmo desaparecia. Não sei se todos reagem da mesma forma, mas simplesmente desgostava daquela onda de ser normal. Embora reparasse que o poder de foco fosse mesmo ativado, as ideias vinham em menor proporção e num ritmo mais lento.
Meu amigo invisível tinha razão e, ironicamente, resumia a Ritalina: “Minha diarista Rita” entra rapidamente no meu quarto e mentalmente coloca quase todos os papéis desarrumados nas gavetas corretas, mas esconde a poeira embaixo do tapete. Quatro horas depois, quando se vai, a poeira está voando novamente. Embora tenha renite alérgica, a poeira é o que mais gosto no meu quarto e sala.
Depois da medicação MARCUS parecia mais presente. Sob o efeito da Rita seria capaz de alterar ainda algumas coisas empregadas no local errado e modificar fugas do assunto em algumas linhas. Até pensei mais uma vez em retirar o termo adotado por DEMINCO de “esquisito” para os queridos estudiosos de nossa mente. Mesmo assim, achamos por bem mantermos as coisas na desordem.
Paulo Dois (como o chamaremos) foi meu segundo amigo “esquisito”. Uma das pessoas mais inteligentes que já conheci. Um homem de fala rápida, que não se perdia em meio às suas palavras complexas e não fugia um só instante do seu raciocínio. Com óculos tipo fundo de garrafa, um metro e setenta de altura, distribuídos num físico magro, Paulo Dois fazia o perfeito estilo meio monge, meio samurai.
Eu estava frequentando um Curso de Extensão em Educação Física e ele era o coordenador do mesmo. Como um bom DDA que já estava há alguns anos sem estudar, ficava nos dias anteriores à aula sofrendo e imaginando como e o que poderia fazer para driblar o tédio de dois dias inteiros de curso.
Para minha falta de sorte, não havia janelas na sala de aula. Mal entrei na sala, fui logo à procura daquela velha cadeira bem no fundo, pensando comigo mesmo: E ENTÃO, JUNTOS, NOVAMENTE, EU E VOCÊ. Era realmente um grande desafio. Por mais que a aula estivesse interessante e o professor parecesse envolvente, a situação não conseguia sobrepor-se àquelas duras cadeiras de madeira e à toda minha impaciência.
Inquieto, experimentava todas as posições possíveis naquele curto espaço, entre a minha cadeira e a da frente. Saía da sala para beber água, ainda que não tivesse sede, ia ao sanitário várias vezes, mas o tempo simplesmente não passava. Finalmente, era chegada a hora do almoço e estava pronta a forma mais apropriada de fugir: sair para visitar uma tia que morava próximo ao meu campo de batalha e simplesmente não voltar.
No dia seguinte, prevendo que tudo fosse igual, tive o propósito de acordar mais tarde, com o intuito de chegar no meio do primeiro turno. Lá, chegando atrasado, dei de cara com o Paulo Dois na escada que nos levava até a sala. Além da agradável coincidência, tive a sorte de não receber nenhum tipo de sermão e, para minha surpresa, ele adorava um bom papo. Não acreditei quando, durante nossa rápida conversa, ele disse também coordenar um Curso de Psicanálise.
Era o perfeito amigo “esquisito” e tudo o mais que precisava saber sobre DDA, estava ali, diante de mim, tanto em suas explicações cognitivas e funcionais sobre o distúrbio quanto ao seu comportamento totalmente DDA. Disse-lhe que ainda estava meio assustado com a minha recente descoberta e que pretendia escrever algo sobre como aquilo tudo mexeu com a minha cabeça. Ele não apenas gostou, como se prontificou a ajudar-me em qualquer coisa que precisasse.
Paulo Dois era um DDA diagnosticado e afirmava que seus filhos também possuíam esse mesmo transtorno. Disse-me uma coisa que tive o cuidado de guardar em alguma gaveta útil de minha cabeça: “Uma pessoa com DDA é um gênio ou um frustrado em potencial”.
Sabia exatamente o que ele queria dizer com aquela afirmativa e fazia sentido diante de todos os casos que havia estudado sobre pessoas com DDA. Poderia ter grandes ideias e tornar-me um homem realizado, como também poderia ter imensos projetos inacabados, o que me tornaria fracassado.
Muitos livros trazem ilações sobre o DDA, tomando-o como o “mal dos gênios”. Mas, sobre distúrbio do déficit de atenção e genialidade, guardo o comentário de um amigo:

Essa história de que os gênios são todos DDA, é um argumento característico da famosa Segmentação Sectária de Privação Relativa. É por isto que você vai achar listas de “gênios homossexuais” na comunidade dos Gays, “Judeus Incríveis” na comunidade ídiche, etc. É natural que as pessoas se fechem em comunidades, que enquadrem suas características, procurando o melhor delas no resto da humanidade. Mas é só isso. Ter DDA, usar óculos ou ser canhoto, não é atestado de inteligência ou burrice.

O apoio amigo e compreensível de Paulo e as palavras de reflexão de Paulo Dois, sem dúvida, serviram de incentivo e aumentavam ainda mais a minha determinação em seguir adiante...

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ESTE é apenas um pequeno trecho da 2ª Edição do Livro Eu & Meu Amigo DDA — A Primeira Autobiografia de um Portador do Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH).
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AGUARDE!

Lançamento Oficial
Bienal Internacional do Livro / Rio de Janeiro
De 30 / Ago a 08/Set / Local: Riocentro
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